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sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Pesquisas-infinitas manipulações possíveis.

Há várias formas de mentir com estatísticas. É possível apresentar tendências através de lentes tendenciosas, mudar proporções em apresentações gráficas para causar um determinado impacto, estabelecer nexos causais inexistentes a partir de relações entre variáveis, fazer projeções baseadas em estatísticas defasadas, ignorar informações que sejam inconvenientes para a tese que se deseja sustentar, maquiar imperfeições numéricas e inclusive praticar a patifaria pura e simples de falsificar dados ou basear-se deliberadamente em fontes secundárias de qualidade duvidosa (por sinal, Marx e Engels eram adeptos dessas duas últimas práticas).

Também pode-se utilizar as estatísticas para influenciar e direcionar, agindo sobre a opinião pública. Cria-se artificialmente um consenso para interferir nas decisões das pessoas, procurando por exemplo arrebanhar votos de indecisos através da exploração de sentimentos tribais. Quando as pessoas têm sede de identidade cultural aliada a escasso senso crítico individual, lançar na mídia um resultado como favorito pode, de fato, torná-lo favorito.
Referendo da proibição da venda de armas de fogo-um furo espetacular
É claro, nem sempre essa estratégia dá os resultados esperados. O caso do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição no Brasil, em outubro de 2005, foi bastante elucidativo. Durante meses, as pesquisas de opinião realizadas em diversas cidades brasileiras apontaram para uma retumbante vitória do “sim” à proibição desse comércio. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas GPP no estado do Rio de Janeiro, 84% dos entrevistados concordavam com a proibição da venda de armas no país. Em abril de 2005, o Instituto Datafolha divulgou que 83% dos paulistanos também seriam contrários à venda de armas a civis. Uma pesquisa nacional do Instituto Ipsos, feita em agosto de 2005 e divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo, atribuiu 76% ao “sim” e 21% ao “não”. Uma intensa campanha pelo desarmamento foi levada a cabo nos meios informativos (detalhe: desarmar a população é diferente de proibir o comércio de armas) e, nas semanas que antecederam a votação, pipocaram notícias sobre acidentes com armas de fogo, geralmente envolvendo crianças e adolescentes (deduzo que para causar maior impacto emocional).

Nas urnas, o resultado foi bem diferente. O “não” venceu com 63,94% dos votos válidos, contra 36,06% para o “sim”. O que aconteceu? Uma súbita tomada de consciência por parte da maioria da população votante? Diversos institutos de pesquisa erraram de forma grotesca? Ou um gigantesco arsenal de campanha simplesmente não proporcionou o resultado desejado?

Seria desonesto colocar toda a culpa nas estatísticas (ou nos estatísticos). Às vezes, ocorrem guinadas massivas de opinião no último momento, como aconteceu nas eleições espanholas em 2004, quando Zapatero (com uma boa dose de ajuda do terrorismo internacional) foi além da sandália e abocanhou a vitória depois dos atentados de 11 de março de 2004 em Madri. Mas, ao contrário do referendo sobre as armas, na Espanha houve um evento traumático de grandes proporções que foi muito bem aproveitado para fins eleitorais.

Pode ser que revivamos a experiência do referendo sobre o comércio de armas e que a suposta liderança do atual presidente nas pesquisas de opinião termine por estourar como uma bolha de sabão.

A informação, em um Estado de Direito, pode ser utilizada para o bem ou para o mal e é uma ferramenta indispensável do aparelho de Estado. Os resultados – benéficos ou não – dependem do grau de participação da sociedade na vida política da nação. Infelizmente, uma pesquisa recente do Ibope (sempre as estatísticas!) aponta que a sociedade brasileira é tolerante com a corrupção, o que é incompatível com a inserção do Brasil no time dos países democraticamente maduros e, ainda com maior razão, no grupo das nações economicamente desenvolvidas.

Ainda hoje, estive lendo um artigo de Hermógenes Pérez de Arce, analista político chileno, que recordou uma oportuna frase do intelectual russo Roy Medvedev: “A base do poder de Stálin não era o terror, mas o seu monopólio sobre a informação”

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