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sábado, 24 de março de 2007

Mainardi -cadáveres e insegurança

Diogo Mainardi
O cadáver de Ipanema

"Fiquei o resto do dia matutando sobre o crime. Elaborei uma série de teorias a respeito do jovem negro de jaleco.

É o grande passatempo carioca, que desperta a fantasia e ocupa alegremente
nossas tardes de domingo: quem é o morto?"

Pode haver algo melhor do que andar de bicicleta com dois filhos, no domingo, na orla de Ipanema, olhando para o mar e sentindo o odor de um cadáver putrefato? Foi o que aconteceu comigo na semana passada. O cadáver putrefato encontrava-se no banco traseiro de um carro prateado, estacionado no canteiro central da Avenida Vieira Souto, à altura do Posto 9, a menos de 100 metros de onde eu moro. O porteiro de um prédio vizinho, um dos primeiros a chegar ao local e analisar o cadáver, com o rigor de um perito forense, com a argúcia de um inspetor Grissom, informou-me que o corpo pertencia a um jovem negro de jaleco, amordaçado e com as mãos atadas.

Fiquei o resto do dia matutando sobre o crime. Elaborei uma série de teorias a respeito do jovem negro de jaleco. É o grande passatempo carioca, que desperta a fantasia e ocupa alegremente nossas tardes de domingo: quem é o morto? Só consegui obter a resposta exata algum tempo depois, numa matéria de O Globo. Nome: Rômulo Luiz dos Santos. Idade: 18 anos. Antecedentes penais: roubo de carro e assalto a mão armada. Causa mortis: ferida com objeto contundente. Exame do corpo: sinais de tortura, com queimaduras e pancadas na cabeça.

O jaleco? O jaleco era da proprietária do carro prateado, uma médica assaltada na semana anterior, em Botafogo.

Na segunda-feira, o cadáver do Posto 9 cedeu o lugar ao cadáver da Via Dutra. O crime da Via Dutra já foi descrito em todos os seus detalhes. Sébastien Gressez era músico. Percorria o Brasil com um grupo de teatro, apresentando-se gratuitamente em comunidades carentes. Um pneu furado o obrigou a parar no acostamento da estrada. Dois assaltantes chegaram de motocicleta. Queriam seu telefone celular. Sébastien Gressez reagiu fechando a janela do carro. Um dos assaltantes o baleou na frente de sua mulher e de sua filha de 3 anos. Ele morreu a caminho do hospital.

O assassinato de Sébastien Gressez foi assombroso. Ainda mais assombroso é o perfil de quem o assassinou. De acordo com a polícia, Sébastien Gressez foi morto por seu xará Sebastião Gama de Paula, conhecido como Tindoco ou Bandido das Cavernas. No passado, ele já foi preso por homicídio. Condenaram-no a oito anos de cadeia. Depois de ter cumprido um sexto da pena, ganhou a liberdade condicional. Está foragido desde 2004. Cometeu mais sete assassinatos no período. Sete.

Vamos lá:

• Um assassino pode ser condenado a uma pena de somente oito anos.

• Um assassino pode ser solto depois de passar somente um ano e meio na cadeia.

• A liberdade condicional é, na prática, incondicional. Só no Rio de Janeiro há 6.254 foragidos. Quase todos se aproveitaram do relaxamento da pena.

• Um psicopata que cometeu sete assassinatos está livre para cometer o oitavo.

Sabe o que isso significa? Isso significa que o próximo cadáver a animar as tardes de domingo tem tudo para ser o seu ou o meu.

Um comentário:

AGRIDOCE disse...

Terrível a realidade com que as grandes cidades se debatem.

Desse lado do Atlântico chegam à Europa os piores indicadores de segurança a quem quer ir passar uns dias de férias a esse Paraíso que é o Brasil, passeando também pelas principais cidades.

Alguns, conseguem. A maioria evita-as, muitos mais nem vão com receio que esse estado de coisas seja mais geograficamente endémico que apenas de natureza citadina.

E é pena! Para o país, porque as receitas do turismo são sempre um bónus para os residentes, e importante, qualquer que seja o país, e para quem podia ir visitar, porque ou não vai, ou vai com o mínimo, como precaução.

Quanto ao tema de fundo do post: não sou defensor da pena de morte, embora seja tentado por ir por esse lado fácil, especialmente nessas situações.

Quem reincide, no tipo mais grave que há de crime, nas mais graves circunstâncias (tirar a vida de alguém por meia dúzia de moedas), não devia merecer outra coisa que a morte.

Mas ainda penso que outras medidas, de natureza preventiva deviam ser tomadas, embora isso não possa justificar os crimes.

O mundo está a precisar de uma onda global de valores civilizacionais, de menos exploração e de uma melhor redistribuição das riquezas.

Utopia? Talvez! Mas deixem-me ser utópico, por favor.