1955. Início de expediente. Vavá, à época um carregador de mercado, pegou um carrinho de mão, para transportar mercadorias até as prateleiras. Súbito, avistou, sob folhas de jornal, um “dinheiro que não acabava.” Embatucou-se: “Eu não podia mostrar para minha mãe que ela ia pensar que eu tinha roubado. Eu tinha que falar para alguém que eu tinha achado o dinheiro. Ou dar para o dono do lugar onde eu trabalhava”.

Optou por dividir o segredo. “Não senhor, você está em situação difícil, você guarda esse dinheiro. Espera uma semana, se não aparecer o dono você me dá 500 cruzeiros e o resto leva para a tua mãe”, disse-lhe um colega. Decorridos sete dias, nem sinal do dono. Como combinara, Vavá deu ao amigo a quantia solicitada. E embolsou o resto. “Levei em casa, para minha mãe. Expliquei a situação”. [...] “Acho que certos males vêm para bem. Azar de quem perdeu!” A família Silva pagou tudo o que devia. A matriarca Lindu comprou roupas e sapatos para a prole. “A gente passou também a comer melhor do que comia”, relembra Vavá.

Estamos folheando as páginas de “Lula, o filho do Brasil”, uma obra que chegou às livrarias em 2002, ano em que o biografado virou presidente. Chama-se Denise Paraná a autora. Sua matéria-prima foram valiosos depoimentos de Lula e dos irmãos dele. O de Vavá, entremeado por falas de Frei Chico, consumiu 41 páginas –da folha 193 até a 234.

O dinheiro achado sob jornal –“ 5 contos e 855”, segundo Vavá— foi avaliado pela autora em 34,64 salários mínimos (nota de rodapé à página 207). Coisa de Cr$ 83.136, em 1955. Ou R$ 13.163, em dinheiro de hoje. Nada mal para o Vavá de 52 anos atrás, que recebia menos do que um salário mínimo. Dinheiro graúdo mesmo para o Lambari de 2007, fisgado nos grampos da PF: “Ô, arruma dois pau pra eu”.

Vavá era um sujeito desonesto já em 1955, você deve estar julgando. Antes, teste-se a si mesmo. Já achou R$ 13 mil? Devolveu? Ainda não achou? Devolveria? 99,99% dos brasileiros talvez embolsassem a grana. O Vavá que emerge do livro de Denise Paraná é um brasileiro de mostruário, um lambari de pesque-pague, eis o que se deseja realçar.

Seu nível de instrução é o primário. Estudou menos do que Lula. Do mercado, transferiu-se para uma tecelagem. Depois, empregou-se em fábricas da Skol e da Coca-Cola. Na Ford, onde permaneceu de 1965 a 1976, pirou. “Eu fiquei trancado no elevador sozinho, três horas preso. A sensação foi uma coisa horrorosa. Era escuro.” Adoeceu. Durante 11 anos, foi de médico em médico. Receitaram-lhe até Gardenal. Curou-se, segundo conta, num balcão de bar: “Eu encontrei um médico amigo meu e ele me falou: ‘Vavá, você não tem nada. Vamos tomar umas cachaças?’ Estranhou. Mas assentiu: “Eu sei que nós tomamos as pingas, depois eu saí e nunca mais precisei ir ao médico”.

Em verdade, o que acalmou a alma de Vavá foi uma sinecura que ele cavou na prefeitura petista de São Bernardo. Inquirido por Denise Paraná sobre a perspectiva de ter um irmão no Planalto, disse: “Não tem esse negócio de ajudar parente, não. [...] Do Lula eu só quero só a amizade e o carinho que ele tem pela gente”. Lorota. Deixou-se seduzir por uma mania nacional: a boquinha. Não resistiu às tentações do anzol. De “dois pau” em “dois pau”, beliscou “R$ 14, R$ 15 mil”, queixa-se o chefão dos caça-níqueis, Nilton Cezar Servo, num dos grampos da PF. Em 1955, Vavá achou um lenitivo para futuro imediato sob o jornal. Em 2007, ganhou a primeira página, numa situação que conspurca qualquer passado.