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quarta-feira, 25 de julho de 2007

Medalha, medalha, medalha!

por Demóstenes Torres

Eu gostaria de ser um cínico elementar ou um pusilânime contente para não julgar ninguém e deixar que o caos do sistema aéreo brasileiro flua normalmente. Como um Plangloss da tragédia, eu diria que tudo vai ficar bem porque assim tem de ser, afinal esta é a forma cabal de se confirmar “a prosperidade do País”, como quer o ministro da Fazenda. Relaxado e no pleno gozo da minha faculdade de genuíno sem-vergonha, eu faria coro ao presidente da Anac para quem “a crise no transporte aéreo brasileiro está longe de ser uma crise.” Caso eu fosse um tolo na colina, eu faria uma interpretação literal do ultimato que o presidente deu naquele 21 de março e aceitaria o “dia e hora” para o problema acabar como um momento incerto, cujo implemento poderia acontecer a qualquer tempo, mesmo por que, “não pode haver pressa neurótica e temperamental”, conforme acredita o ministro da Justiça.


Hoje faz cinco dias do novo caos aéreo nos aeroportos. O problema virou uma versão do inferno à brasileira. O consolo do passageiro não é mais chegar ao destino, mas permanecer vivo. No placar da Infraero o anúncio de previsto virou uma grande notícia entre vôos com atrasos ilimitados e cancelamentos inexplicáveis. Tudo começou na sexta-feira, quando ocorreu pane ou sabotagem no sistema de fornecimento de energia elétrica do Cindacta 4 em Manaus. Depois, as chuvas de inverno inviabilizaram a pista secundária de Congonhas, um nevoeiro fechou o aeroporto de Porto Alegre, no Galeão o tumulto se instalou, enquanto em Guarulhos a imagem dos passageiros sendo torturados pelo atraso e a falta de informação virou regra.


Quem vinha do nordeste em direção à Belo Horizonte, quase aterrissou em Cumbica, por pouco não desceu em Viracopos e acabou no Rio de Janeiro. Há passageiro que deveria ter embarcado no sábado para Belém, mas só hoje, com muita bondade, deve seguir viagem. Agora há mais uma escusa esfarrapada para quem acredita que não se deve atribuir a ninguém a razão da crise. Falta tripulação de reserva porque os vôos estão sendo remanejados de Congonhas. Sobre a pista do aeroporto, no meio da tarde de ontem, a Infraero disse que a perícia da Polícia Federal atrasou a sua liberação, há buraquinhos para serem tapados e tudo ficaria bem ainda nesta semana. Quando a noite caiu, parte da pista desabou e escorreu na enxurrada de desculpas e protelações.


Eu seria um estulto mau-caráter caso afirmasse que a tragédia do vôo 3054 é o limite da crise. Todas as condições para que se produzam novos acidentes estão perfeitamente no ar. Continua a valer a insuficiência de comando do Ministério da Defesa, mãe de todos os males do setor. Os investimentos do governo permanecem precários, como se nada tivesse acontecido. A incompetência gerencial é a mesma, assim como vigora a negligência com o dever objetivo das autoridades de prover a segurança. A facilitação do interesse público à corrupção e à ganância das empresas aéreas é rigorosamente o resumo de um quadro geral de irresponsabilidade expresso em centenas de mortos.


As autoridades brasileiras não aprenderam nada com a tragédia do acidente da Gol ocorrido há dez meses. Ao contrário, assistiram inertes e pacientes o agravamento da crise do sistema aéreo quando deveriam ter realizado planejamento estratégico e executado as providências necessárias ao bem-estar e à segurança do povo brasileiro. Apostaram no esquecimento, fator que sempre dilui as crises neste País. Esquecimento da caixa-preta onde estão guardadas as gravações dos pilotos do Air Bus que explodiu. Esquecimento de uma vítima na lista dos mortos, justamente um co-piloto da própria TAM. Esquecimento da decência e do respeito com a dor alheia, patrocinado pelo senhor Marco top Aurélio top Garcia. Esquecimento do bom-senso ao se condecorar o presidente da Anac com o mérito Santos Dumont. Para mim, ele é o Muttley da aviação brasileira. Está aberta a eleição do Dick Vigarista. Medalha, medalha, medalha!

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