Vista calças
“Afinal, você vai crer em mim ou nos seus próprios olhos?”.
A quota de mendacidade dos nossos governantes já ultrapassou os limites do que seria tolerável num mitômano doente sem esperança de cura. E a quota de servilismo com que as lideranças empresariais, jornalisticas, militares e eclesiásticas deste país aceitam como normal e respeitável essa conduta obscena já ultrapassou o nível do que se poderia admitir num escravo amarrado e chicoteado, que o feitor, por mero sadismo, obrigasse a concordar que as vacas botam ovos e as galinhas dão leite.
A desenvoltura cínica de uns e a pusilanimidade de outros formam um quadro de abjeção moral imotivada, gratuita, voluntária, deleitosa, lúbrica, como nunca se viu no mundo. Os primeiros sabem que são trapaceiros, mas se orgulham disso. Os segundos sabem que cedem por puro medo, mas, disfarçando mal e porcamente o temor, juram que desfrutam de total liberdade num ambiente de segurança jurídica exemplar. A ordem democrática, neste país, consiste na igualitária distribuição da perversidade. Liberdade, igualdade, fraternidade e semvergonhice.
O pior é que nada, nada obriga esses indivíduos a serem assim. Uns têm todo o poder, não precisam se comportar como baratas se escondendo pelos cantos, fugindo da luz como da peste. Os outros não sofrem perseguição que justifique tanto acovardamento, apenas cedem antecipadamente ante riscos imaginários, numa apoteose de pusilanimidade.
Do lado do governo, os recentes progressos da cara de pau são inconcebíveis.
Depois de o sr. presidente ter expressado seu “repúdio” à crueldade das Farc sugerindo como castigo aquilo que até uma criança de cinco anos percebe ser o melhor dos prêmios; depois de o sr. Michel Temer ter assegurado que o ilustre mandatário nunca fez isso mas que o fez com a melhor das intenções (entenda quem puder), ainda vem esse aspirante a Tiririca, o sr. Walter Pomar, querer impingir-nos, com a cara mais bisonha do universo, a mentirinha pueril de que as Farc nunca participaram do Foro de São Paulo. Quer dizer então, ó figura, que o Raul Reyes mentiu ao dizer que presidira a uma assembléia do Foro ao lado de Lula? Quer dizer que o Hugo Chávez estava delirando ao dizer que conhecera Raul Reyes e Lula numa reunião do Foro? Quer dizer que o expediente da revista “America Libre” é todo falsificado? Quer dizer que as Atas do Foro foram inventadas por mim, que ainda tive o requinte de escrevê-las em espanhol? Ora, vá lamber sabão.
Quando chamo esse cavalheiro de aspirante a Tiririca, não faço isso por pura piada. Na escala dos níveis de consciência, o sr. Pomar está muito abaixo da abestada criatura. Tiririca tem autoconhecimento: sabe que é um palhaço. O sr. Pomar necessitaria de muitas vidas, se as houvesse, para elevar-se a tão iluminada compreensão de si.
Mas o que me espanta não é que esses sujeitos se lambuzem na sua porcaria mental ao ponto de se tornar impossível, em certos momentos, distingui-los de um rato emergido do esgoto. O que me espanta é o ar de veneração, o temor reverencial com que a opinião pública os escuta, mesmo e principalmente quando sabe que mentem como meninos pegos em flagrante travessura. Só ante o cano de uma metralhadora tem o homem o direito de acovardar-se a esse ponto, aviltando-se ainda mais do que aqueles que o aviltam. Mas cadê as metralhadoras? A única arma de que a casta governante dispõe para intimidar a nação, no momento, são caretas de despeito – aquele blefe moral, aquela fingida ostentação de superioridade que é a marca inconfundível dos fracos presunçosos. Como é possível que um povo inteiro se deixe assustar por isso, chegando à degradação suprema de fingir apreço a condutas que obviamente só merecem desprezo?
Pelas estatísticas de rendimento escolar e de criminalidade, o Brasil já é o país mais burro e mais assassino do mundo. Terá se tornado também o mais covarde? O mais sicofanta? O mais subserviente?
Meu falecido sogro, Fábio de Andrade, apresentou-se como voluntário na Revolução de 1932, aos quinze anos de idade, porque sentiu vergonha ao ler, por acaso, a mensagem enviada pelo comando revolucionário aos homens adultos que recusassem alistar-se: “Vista saias.” Mas os tempos mudaram. Essa mensagem não é mais apropriada aos dias que correm. É preciso substituí-la por: “Vista calças.” Muitos tremem ante a perspectiva dessa experiência inédita.***
P. S. – Nunca fui admirador do sr. José Serra. Sua mania antitabagista, suas concessões ao politicamente correto, fizeram dele, para mim, um anti-exemplo. No entanto, seus últimos pronunciamentos de campanha – dele e do seu vice Índio da Costa – mostraram que ainda há algumas reservas de testosterona neste país (v. o comentário de José Nivaldo Cordeiro em http://www.youtube.com/watch?
Um comentário:
Fazer campanha de nível contra bandidos, isso é demais. Acorda Serra.
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