PF encontra elo do mensalão com campanha de Lula
Foi à mesa do procurador-geral Gurgel um novo relatório
Preparou-o a PF, por ordem de Joaquim Barbosa, do STF
Documento ratifica origem pública da verba do escândalo
Texto traz os nomes de novos beneficiários dos repasses
Entre eles, Fred Godoy, ex-segurança do candidato Lula
Reprodução revista Época
A reprodução acima é o pedaço de um documento que pousou sobre a mesa do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Tem 332 páginas. Redigiu-as a Polícia Federal, por ordem do ministro Joaquim Barbosa, do STF. O conteúdo vem à luz nas páginas da revista Época.
Antes de prosseguir, abra-se um parêntese. Recorde-se uma passagem de novembro de 2010. Ao sair de um café da manhã no Palácio da Alvorada, José Dirceu disse que, fora da Presidência, Lula se dedicaria a desmontar “a farsa do mensalão”.
Livre da azáfama presidencial há três meses, Lula ainda não se animou a levar aos refletores argumentos capazes de desconstituir o escândalo que sacudiu seu primeiro reinado. O novo relatório da PF talvez o faça rever os planos. Fecha parênteses.
Relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa recorreu à PF para elucidar dúvidas remanescentes do caso. Encomendou três respostas: 1) O mensalão foi financiado com dinheiro público?, 2) Houve mais beneficiários do valerioduto?, 3) Qual era o limite da influência de Marcos Valério no governo petista?
O texto da PF, que será remetido por Gurgel ao Supremo, responde positivamente às duas primeiras indagações de Joaquim. Quanto à terceira interrogação, atesta que o poderio de Valério no primeiro mandato de Lula não encontrava limites.
Desde 2005, ano em que o escândalo virou manchete numa entrevista de Roberto Jefferson à repórter Renata Lo Prete, o ex-provedor das arcas clandestinas do petismo mudou o visual. Valério forrou a calva com um esboço de implante capilar. No relatório da PF, porém, conserva a mesma imagem de vilão.
Além de corroborar a existência daquilo que Lula e Dirceu chamam de “farsa”, o trabalho ratifica a origem pública das verbas que compraram a lealdade de políticos do condomínio governista e traz os nomes de novos beneficiários. Entre eles Freud Godoy, amigo e ex-segurança de Lula.
Detectou-se a emissão de um cheque da R$ 98,5 mil da SMP&B, agência publicitária da qual Valério era sócio, em favor de Freud Godoy. Coisa de 21 de janeiro de 2003. Inquirido pela PF, o beneficiário disse que o dinheiro pagou serviços de segurança que prestara à campanha Lula-2002 (veja abaixo).
Desde o depoimento em que Duda Mendonça, ex-marqueteiro de Lula, admitiu à CPI do Senado ter recebido valerianas no exterior, é a primeira vez que se estabelece um elo indubitável entre as verbas sujas do mensalão e as arcas eleitorais de Lula.
No pedaço em que esquadrinha a origem dos recursos que untaram o escândalo, a PF anota em seu relatório que houve duas fontes. Uma “fonte primária”, com origem no Estado. Outra “fonte secundária”, que previa o ressarcimento de Valério por meio de contratos de lobby com empresários interessados em obter favores do governo.
O grosso das verbas do mensalão, diz a PF proveio do setor público. As empresas de Valério receberam do governo Lula cerca de R$ 350 milhões. Desse total, R$ 68 milhões foram providos pelo fundo Visanet. Dinheiro liberado pelo Banco do Brasil. Veio daí, repisa a PF, a maior parte do dinheiro que financiou o esquema (confira no texto abaixo).
No capítulo dedicado às “fontes secundárias” do mensalão, a PF dedicou-se a explicar a presença do banqueiro Daniel Dantas na encrenca. Um pedido expresso de Joaquim Barbosa. No alvorecer do primeiro reinado de Lula, Dantas travava uma renhida disputa societária. Pegava em lanças para manter o poder de gestão na telefônica Brasil Telecom.
Precisava do apoio dos fundos de pensão de estatais. Em depoimento à PF, Daniel Dantas disse ter sido convocado para um encontro com José 'É Tudo Uma Farsa' Dirceu, então chefão da Casa Civil de Lula. Segundo o banqueiro do Opportunity, a reunião ocorreu em 4 de maio de 2003, no Planalto.
Nessa conversa, sempre de acordo com o relato de Dantas à PF, Dirceu acenou com a hipótese de conciliação. Chegou mesmo a incumbir o então presidente do BB, Cássio Casseb, de manter entendimentos com o interlocutor.
Decorridos 11 dias da reunião com Dirceu, um sócio de Dantas, Carlos Rodemburg, encontrou-se com a dupla Valério-Delúbio Soares, no hotel Blue Tree. Deu-se na suíte em que estava hospedado o tesoureiro do PT. Inquirido, Rodemburg contou à PF que Delúbio lhe disse estar às voltas com um “déficit” de US$ 50 milhões. Pediu dinheiro.
Ficou subentendido que, se Daniel Dantas abrisse os bolsos, asseguraria o apoio do governo na pendenga societária que arrostava. Dantas disse à PF que se recusou a pagar. Porém, dois anos depois, informa o relatório, a Brasil Telecom, ainda subordinada a Dantas, firmou um par de contratos com a SMP&B e a DNA, agências de Valério. No toral, R$ 50 milhões.
Sobrevieram a entrevista de Jefferson e o escândalo. Valério havia recebido, então, apenas R$ 3,6 milhões relativos aos contratos que celebrara com Dantas. Ficou nisso. Em seu relatório, a PF não deixa dúvidas quanto à natureza dos acertos. Era “fachada” para a “distribuição de recursos" (confira abaixo).
No rol de novos personagens citados no documento da PF, foram à lista de beneficiários do mensalão mais sete deputados federais, dois ex-senadores e um ex-ministro. Desceram à relação também, agora de forma esmiuçada, Fernando Pimentel, amigo de Dilma Rousseff e atual ministro do Desenvolvimento; e Romero Jucá, líder de todos os governos no Senado.
A Pimentel atribui-se o recebimento de R$ 247 mil. Coisa de 12 de agosto de 2004, época em que o agora ministro disputava a prefeitura de Belo Horizonte. O cheque foi às mãos de Rodirgo Barroso, que assessorava Pimentel na campanha. Inquirido, recusou-se a dar explicações. A PF anota que há fortes indícios de que as arcas eleitorais de Pimentel foram irrigadas pelo valerioduto. Procurado, o ministro disse que não se pronunciaria sem conhecer o relatório.
Quanto a Jucá, a PF diz que ele recebeu, em 2003, R$ 650 mil em verbas provenientes do fundo Visanet. O dinheiro foi repassado à empresa Alfândega Participações. Pertence a Álvaro Jucá, irmão do senador. Interrogado, ele disse que a verba era remuneração por ações culturais. Algo que, segundo a PF, não conseguiu comprovar. Procurado, Jucá preferiu guardar silêncio.
O repórter recomenda vivavemente a leitura da notícia veiculada por Época, cujo link foi acomodado lá no alto e é repetido aqui. A revista dá outros nomes. Menciona negócios firmados por Valério sob FHC e, em Minas, sob Aécio Neves. Até a empresa de um ex-genro do senador Marco Maciel (DEM-PE) manteve, segundo a polícia, relações financeiras com Valério.
Os novos elementos oferecidos pelo relatório conspiram contra a lorota da “farsa” que Lula desmontaria. Vai contra a previsão de Delúbio de que tudo terminaria em "piada de salão". Resta saber o uso que o STF fará do material.
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