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sexta-feira, 14 de julho de 2006

Confinados como animais

Centro de Detenção de Araraquara, em São Paulo: 1 443 presos em um espaço destinado a 160



A foto que ilustra estas páginas expõe a condição hedionda em que se encontram os presos do Centro de Detenção Provisória de Araraquara, no interior de São Paulo. Desde o dia 16 de junho, 1 443 homens estão enclausurados em uma ala do presídio projetada para abrigar 160 pessoas. Seminus, ficam ao relento. A comida chega do alto: é baixada com cordas, duas vezes por dia, como na alimentação de animais. A escassez de banheiros criou uma situação sanitária indescritível. Doentes e feridos ficaram sem assistência. Os presos de Araraquara chegaram a essa situação por seus próprios meios: depois de destruírem as instalações, foram confinados num único pavilhão, que teve a porta soldada pela administração. O fato de que continuem nela concerne a toda a sociedade. Ao Estado não compete punir além do que determina a lei. O tratamento correto aos detentos – sem leniência nem abusos – é um dos pilares da civilização.

A questão, no entanto, é mais complexa do que gostariam tanto os que se regozijam com as condições medievais dos detentos quanto os que os colocam na posição de pobres vítimas de autoridades malvadas. A situação de Araraquara resulta da guerra desfechada pela facção criminosa chamada Primeiro Comando da Capital (PCC) para forçar o governo de São Paulo a ceder a suas exigências. O centro de detenção foi uma das dezenove instituições onde houve rebeliões semelhantes. Todas foram destruídas sem que os presos fizessem nenhuma reivindicação. As investigações da polícia indicam que, em todos os casos, o quebra-quebra foi ordenado pelo PCC. Com os motins, o bando quer forçar o governo estadual a transferir seus integrantes para prisões de sua preferência e a fazer outras concessões. As revoltas também aumentam a força do PCC, que vende proteção aos condenados. "É constrangedor e patético, mas temos de preservar a segurança do restante da sociedade mantendo os presos no local que eles destruíram", disse o governador Cláudio Lembo.

O governo paulista endureceu depois de perceber que estava sendo acintosamente encurralado pelos bandidos. Na semana passada, promotores estaduais comprovaram, por meio de escutas telefônicas, que o quebra-quebra de Araraquara foi arquitetado por Orlando Mota Júnior, um chefe do PCC alcunhado de "Macarrão", que cumpre pena em outro presídio. Dois dias antes da rebelião de Araraquara, ele passou à sua advogada, Libânia Catarina Costa, a ordem para "colocar no chão" a penitenciária. De seu celular, Libânia transmitiu o comando a outro detento. Dois dias depois, a destruição começou. As gravações levaram a advogada do PCC a ser presa. Em meio ao agravamento da tensão, três agentes penitenciários foram assassinados na semana passada.

Em 2000, o governo paulista adotou uma política de negociação com os presos. No mês passado, o diálogo foi interrompido. Para tentar retomar o controle dos presídios, o governo resolveu jogar pesado. "Agora, será como em Araraquara: os presos terão de ficar nas unidades destruídas enquanto durarem as reformas", avisa o secretário da Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto. Motins com depredação também serão reprimidos pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar. Punições como essas haviam sido abandonadas no fim dos anos 90. Os responsáveis pela segurança passaram a fazer acordos com os detentos e o poder do PCC cresceu. Agora, o governo quer mostrar aos presos que cumprir as ordens do bando pode ser mau negócio. A questão é que perde a autoridade moral se, ao fazê-lo, permitir situações hediondas como a da detenção de Araraquara.
*REVISTA VEJA