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sábado, 18 de novembro de 2006

O Brasil é um país babaca


Presidente da Abiec diz que o País deve ser mais pragmático para ampliar as vendas externas. Aos 67 anos de idade, o gaúcho Marcus Vinicius Pratini de Moraes é um especialista no tema exportação. Economista de formação, ele é ex-deputado federal e foi ministro interino do Planejamento e Coordenação Geral em 1968 (governo Costa e Silva). Também foi titular das pastas da Indústria e Comércio em 1970 (governo Garrastazu Médici); de Minas e Energia em 1992 (governo Itamar Franco); e da Agricultura em 1999 (governo Fernando Henrique Cardoso). O maior desafio do País no momento, diz ele, é ser agressivo, mais do que já é, no mercado internacional, na defesa do mercado brasileiro. "É preciso seguir o modelo do toma-lá-dá-cá, ou seja, aplicando aos países que nos restringem o mesmo tipo de restrição. Esta é a única regra que funciona", afirma convicto.

"Lembram do vinho chileno? Proibi a entrada porque eles não queriam o nosso frango. Tem que ser assim, só funciona assim. É preciso que o Brasil defenda com unhas e dentes seus mercados. E isso nós ainda não aprendemos. O Brasil é visto lá fora como muito bonzinho. Na verdade, é considerado no mundo um País babaca, porque todo mundo faz o que quer aqui dentro", desabafa.

Na presidência da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Pratini de Moraes diz que o agronegócio continua sendo o grande gerador de divisas na composição do saldo da balança comercial brasileira. "Se amanhã o agronegócio ‘negar fogo’, o saldo vai virar um déficit", avisa, reiterando que o Brasil é a última reserva agrícola no mundo. "O mundo precisa do Brasil para comer", ressalta, lembrando que o País explora apenas 0,5% do total de áreas cultiváveis de seu território. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a este jornal durante sua passagem por Caxias do Sul, na serra gaúcha.

Gazeta Mercantil - Quais os pontos positivos do governo Lula até agora no sentido de apoiar as exportações?

Pratini de Moraes - A criação do G-20 foi positiva, apesar de que os resultados práticos ainda não aconteceram, mas foi uma tratativa importante para o Brasil em termos de articular os países beneficiários pela Rodada de Doha em torno de uma posição mais consistente.

Gazeta Mercantil - O que deixou de ser feito?

Pratini de Moraes - Uma política mais agressiva, no sentido de defender o acesso do Brasil a certos mercados. Em face do fracasso de Doha, não houve disposição de fazer acordos bilaterais ou regionais. O Brasil tem que fazer o que for mais importante do ponto de vista comercial e pragmaticamente. Se a solução for um acordo bilateral, faz e deixa o Uruguai fazer também. Não podemos continuar subordinando o comércio internacional a interesses políticos ou ideológicos.

Gazeta Mercantil - Devemos continuar seguindo a linha de exportar bens com valor agregado maior ou commodities?

Pratini de Moraes - Tem que ser como os EUA. Ser exportador de produtos com valor agregado e de commodities. O que não pode (e está acontecendo hoje por causa da taxa de câmbio) é uma indução a aumentar produtos com menor valor agregado. O grande problema da atual política econômica é que ela induz o País a exportar mais matéria-prima. Isso não é bom. Até a política tributária penaliza a exportação de produtos industrializados.

Gazeta Mercantil - Quais seriam os nossos desafios imediatos, então?

Pratini de Moraes - Maior agressividade no mercado internacional na defesa do mercado brasileiro. Tem que ser na base do toma-lá-dá-cá. É a única regra que funciona. Lembram do vinho chileno? Proibi a entrada porque eles não queriam o nosso frango. Só funciona assim. É preciso que o Brasil defenda com unhas e dentes seus mercados aplicando nos países que nos restringem o mesmo tipo de restrição. E isso o Brasil não aprendeu. Somos vistos como muito bonzinhos. Na verdade, somos considerados no mundo um país babaca, todo mundo faz o que quer aqui.

Gazeta Mercantil - Perdemos quatro anos?

Pratini de Moraes - Os outros países estão fazendo acordos. Nós, não. Estamos perdendo uma extraordinária chance para crescer quando todo o mundo cresce. Um dos erros é a carga tributária brutal e uma extraordinária confusão tributária, que faz com que as empresas tenham medo de fazer alguma coisa, porque nunca conseguem estar em dia com o Fisco. O Brasil é o que gasta mais tempo para pagar impostos no mundo: 2,8 mil horas/ano.

Gazeta Mercantil - Como o senhor analisa a Lei Kandir?

Pratini de Moraes - Ela foi solução para produtos primários. Mas não temos que discutir esta questão em nível de produto primário. Precisamos institucionalizar a imunidade tributária na exportação. No mundo inteiro exportação não é tributada. O Brasil insiste em tributar e não discutir o assunto. Daí o nosso atraso. A Constituição de 1988 definiu o Brasil como um país ingovernável. E do ponto de vista tributário provocou esta balbúrdia que está aí. Não temos que discutir soluções tópicas. A Lei Kandir foi uma solução tópica, para apoiar os exportadores de soja.

Gazeta Mercantil - Como seria a transição para este modelo de imunidade tributária?

Pratini de Moraes - Acaba com o seguro sobre as exportações e promove o crescimento do País. E crescendo, está resolvido o problema tributário.

Gazeta Mercantil - Como ficam estados que dependem destes recursos?

Pratini de Moraes - Bem, então vamos continuar com soluções tópicas para acertar aqui e ali. É a opção pelo não-crescimento. Eu defendo a opção pelo crescimento, e onde andei promovi o crescimento econômico.

Gazeta Mercantil - O senhor realmente considera uma medida viável?

Pratini de Moraes - Para mim, só não é viável aquilo para o qual não se tem coragem. O que está faltando para o Brasil é coragem, audácia e firmeza para fazer mudanças que reconduzam o País na rota do crescimento econômico.

Gazeta Mercantil - Como traduzir coragem e audácia?

Pratini de Moraes - Não funciona Doha? Vamos fazer acordos bilaterais ou regionais. Estamos com isso há quanto tempo? Doha começou na minha época. Fui um dos que redigiram (o texto) às quatro horas da madrugada, no Catar.

Gazeta Mercantil - O saldo comercial exibido pelo presidente Lula tem alguma consistência?

Pratini de Moraes - Saldo da balança comercial é decorrência do não-crescimento econômico. O Brasil tem estes saltos porque não cresce. Se tivesse crescido estaria importando mais. Além de máquina, o que o Brasil está importando? Está aumentando a importação de vinho, calçado, produtos de luxo e alguma coisa de matéria-prima. O Brasil importaria mais se estivesse com a economia crescendo.

Gazeta Mercantil - O mundo vai continuar mantendo o nível de crescimento por mais quanto tempo?

Pratini de Moraes - Não faço projeções em nível mundial acima de um ano, mas em 2007 vai continuar crescendo. O preço do petróleo não vai subir, deve continuar o processo de queda iniciado agora.

Gazeta Mercantil - Quais lições o Brasil ainda precisa aprender?

Pratini de Moraes - A primeira é valorizar nossas coisas, nosso vinho, nossa cachaça, o nosso boi. Se valorizarmos aqui os caras lá fora também farão. O marketing começa pela valorização na nossa terra. Outra coisa: temos que aprender, principalmente nas commodities, que, se você aumentar demais a oferta, derrubará o preço e será ruim para todo mundo. Precisamos nos disciplinar para conter a oferta ao nível que evite a queda de preços, de modo que todo mundo tenha vantagem.

Gazeta Mercantil - E como o senhor projeta o Brasil no ano que vem?

Pratini de Moraes - O que vamos assistir não terá nada a ver com taxa de câmbio ou exportações. Com a redução dos juros, a prestação do imóvel se aproximará do valor do aluguel. Com isso deve acontecer um grande incremento na construção civil, inclusive para classes menos favorecidas. Isso ajudará o crescimento da economia, mas não será suficiente para levar o PIB a 4% ou 5%. A estrutura de investimento no Brasil indica crescimento entre 3% e no máximo 4%, que é claramente insuficiente para atender as aspirações da sociedade.

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