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domingo, 23 de setembro de 2007

O custo do rolo compressor

Para que serve a avantajada maioria que o governo Lula desfruta na Câmara dos Deputados, com a batelada de partidos que compõem o chamado “governo de coalizão”, se em cada votação de projeto de interesse do governo o Planalto tem que despender sempre novo esforço para “apascentar” sua base aliada, significando tal “esforço” a distribuição de (mais) cargos e verbas a seus diletos parlamentares? Se dispõe de um batalhão de partidos - PMDB, PT, PR, PP, PSB, PDT, PTB, PV, PC do B, PSC, PMN, PRB, PTC, PHS e PT do B -, o que já representa uma multidão de 379 deputados federais (ou mais de 73% da Câmara), como se explica que em cada votação o Planalto precise “negociar” com os “seus”, pontualmente, e até pescar alguns votinhos nas hostes dos partidos adversários, para garantir sua vitória?

Na votação que aprovou em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, a prorrogação até 2011 da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo obteve 338 votos (com sobra de 30 votos, portanto), contra 117 e 2 abstenções (houve 52 ausências). Mas o “rolo compressor” governamental teve um alto custo. Foram nomeados quatro diretores do Banco do Nordeste para atender a reivindicações do PP, do PR, do PSB e do PTB. A presidência do Porto de Santos teve que ser entregue a um apadrinhado de deputados do PSB. Entre segunda e quarta-feira o governo liberou R$ 68,8 milhões referentes ao orçamento de 2006 e R$ 37,9 milhões do orçamento deste ano - R$ 106,7 milhões, no total - para “pagar” os votos de que precisava.

Na tentativa de conter a voracidade de sua pantagruélica “base aliada”, notadamente do PMDB - onde se localizaram os maiores focos da rebeldia, que só pôde ser controlada com afagos (quer dizer, cargos e verbas) -, o próprio presidente Lula pôs-se a campo, enfrentando a barganha generalizada. Disse ele: “Quem é parceiro é parceiro para comer no prato cheio e é parceiro para ficar olhando o prato vazio junto, é parceiro nos bons e nos maus momentos.” Eis um autêntico wishful thinking presidencial! Pois na verdade os “parceiros” da coalizão, que costumam comer nos pratos cheios antes de votar projetos importantes do governo - e, além do prato principal, jamais dispensam couvert, entrada e sobremesa -, só olham o prato esvaziado no curto tempo de espera pela próxima iguaria, sempre calculando o potencial do banquete arrecadatório - que, no caso da CPMF, por exemplo, chega à bagatela dos R$ 39 bilhões...

A propósito, já que nenhum partido e “nenhum ser humano” seria capaz de governar o País, hoje, sem poder contar com os recursos da CPMF (o partido de Lula não está conseguindo nem contando com esses recursos), como considera o presidente, aí dando a entender que todos os demais impostos não bastam para sustentar a máquina pública federal - apesar dos recordes mensais de arrecadação -, a vitória folgada na Câmara não sugere, nem de longe, ocorrência semelhante no Senado, onde a “base” é bem mais precária e ainda há o fator Renan Calheiros, que a esta altura representa uma boa complicação para o governo, especialmente depois de a Comissão de Constituição e Justiça ter aprovado o fim do voto secreto - sem dúvida sua maior arma de defesa nos processos em que é réu por quebra de decoro parlamentar.

As relações do governo com as Casas legislativas federais, seja com a Câmara, que demanda um altíssimo custo de “manutenção”, seja com a precária maioria no Senado, que exige um esforço de articulação política especial para obter 49 votos em uma Casa legislativa com apenas 81 integrantes, revelam que no ambiente parlamentar brasileiro já se tornou totalmente fora de moda a prática do convencimento por meio de argumentos lógicos, a tentativa de persuasão pela via da demonstração do que seja de maior interesse público - e, acredite-se, houve tempo em que partidos políticos e parlamentares dessa maneira atuavam. Em lugar disso, hoje só prevalece a barganha, o toma-lá, dá-cá rasteiro, que transforma a instituição parlamentar, um dos esteios fundamentais da Democracia, em rotineiro balcão de negócios.

Infelizmente, Lula estava sendo premonitório quando, muito antes de chegar ao Planalto, falou na maioria de 300 picaretas que atuavam na Câmara. “Nenhum ser humano” consegue governar este país sem uma maioria tão folgada como aquela.

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