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domingo, 14 de outubro de 2007

Entrevista do Apedeuta à Folha ou 'Mentir É Meu Lema'


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concede entrevista à Folha na quarta, que foi acompanhada pelo ministro Franklin Martins
Reuni aqui os quatro trechos que a Folha publicou separadamente em sua edição de hoje,ficou meio longo,se ainda tiver estômago para suportar,leia:
"A última vez em que bebi foi em 1974"

Lula diz não ter ficado "bêbado" desde a derrota para a Holanda naquela Copa


O presidente Lula disse ter ficado "muito puto" com a reportagem de Larry Rohter, então correspondente do "New York Times", de que abusaria da bebida, porque era "mentira". Na época, ele decidiu não renovar o visto de Rohter (depois recuou). Diz duvidar que um jornalista ou político o tenha visto bêbado: "A última vez em que bebi mesmo foi quando o Brasil perdeu para a Holanda de 2 a 0 na Copa do Mundo de 1974".
Lula revelou que se sente "isolado" em Brasília, dorme cinco horas por noite, acorda cedo e caminha todo dia. Admite que fala palavrões ao cobrar ministros: "Tenho um jeito que não vou mudar. (...) Um palavrão quando soa como força de expressão ele é bonito". (KA)

FOLHA - O que faz no tempo livre?
LULA
- Não tenho tempo livre.

FOLHA - No final de semana.
LULA
- Aí é que me sinto isolado. Quando posso, passo com meus filhos. Eles não querem vir para Brasília. Cada um tem a vida dele, tem a sua namorada.
Não posso convidar um ministro porque tenho 30 [são 37] e vou criar ciúme nos outros. Dos meus domingos, 90% estamos eu e Marisa sozinhos. Aqui em Brasília nunca fui a um jantar, a um aniversário, a um restaurante. Minha vida é Palácio do Planalto e Palácio da Alvorada.

FOLHA - Foi ao Rosenthal [restaurante bom e barato de um cozinheiro de JK que morreu em 2005].
LULA
- Fui uma vez ao Rosenthal em quatro anos e meio. Não vou porque não quero atrapalhar as pessoas. O presidente leva um monte de gente, segurança, para ir a um lugar.

FOLHA - Não foge, não sai sozinho?
LULA
- Não. Sei de histórias de presidente que fugia e não fujo.

FOLHA - O que o sr. faz?
LULA
- Eu e Marisa vemos filme, vemos TV, andamos, pescamos, conversamos.

FOLHA - O casamento está bom?
LULA
- Sempre esteve bom.

FOLHA - O sr. tira uma sesta todo dia? Coloca pijama como o JK?
LULA
- Não tenho tempo. Aquele tempo talvez fosse mais fácil para governar. Às vezes saio daqui tarde para almoçar, chego em casa às 15h -vou almoçar em casa todo dia. E tem dia que volto para cá muito nervoso porque o tempo que tenho de almoçar é menor do que quando eu trabalhava na fábrica em tempo corrido e tinha meia hora para almoçar. Quando tenho tempo de descansar 20 minutos, dar uma cochilada, é um alívio porque a gente ganha uma tarde nova.

FOLHA - O sr. acorda a que horas? Dorme quantas horas?
LULA
- Durmo quatro horas e meia, cinco horas por noite. Acordo todo dia entre 5h30 e 6h.

FOLHA - Não é pouco?
LULA
- É pouco.

FOLHA - Como está o peso?
LULA
- Estou com 84 kg. Tô fazendo regime para chegar a 80.

FOLHA - Faz ginástica?
LULA
- Ando todo dia. É essa ginástica que me deixa de bom humor todo dia. Não tenho motivo para não ter bom humor.

FOLHA - Não fica mal-humorado, xinga?
LULA
- Tenho um jeito que não vou mudar. Cobro dos meus companheiros ministros.

FOLHA - Não solta palavrões?
LULA
- Um palavrão quando soa como força de expressão ele é bonito. Ele é feio quando falado fora de hora. Eu sou assim.

FOLHA - O que o sr. vê na TV?
LULA
- Não gosto de nada que me deixe tenso na TV ou no cinema. Não me convide para ver um filme de terror ou de suspense. Quero me divertir. Quanto mais avacalhado for o programa, melhor para mim.
Gosto muito de documentário, que vejo na TV a cabo. Nesta semana, vi um documentário sensacional sobre plataforma de petróleo. Outro dia vi um documentário espetacular sobre borracha. Vejo muito filme. Ganhei uma coleção de filmes brasileiros. Ouço muita música. O mais recente é o DVD do Toquinho, que é excepcional.

FOLHA - O sr. tinha fama de não gostar de Brasília. O que acha agora depois de viver cinco anos nela?
LULA
- O pior é que não vivo em Brasília. Vivo no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada. Vive em Brasília quem vai a restaurante, ao shopping, quem vai tomar um chope no bar.

FOLHA - O sr. disse que não vai estudar no exterior quando deixar o governo, mas o que planeja fazer? Tem medo da "depressão pós-poder"? Do que sentirá mais falta?
LULA
- Sou um homem vacinado. Sei ao longo da história da dificuldade de as pessoas viverem sem corte depois de passarem tanto tempo com corte. Por conta disso muita gente erra na política, cai em depressão. Muita gente não se dá conta de que acabou o mandato, acabou.
Tem de fazer outra coisa. Pretendo viver minha vidinha tranqüila. Pretendo voltar no sábado e domingo para o meu terreninho, lá em São Bernardo do Campo. Fazer o meu feijãozinho, meu coelhinho na panela de ferro, fumar um cigarrinho de corda, sentado perto do fogão de lenha. Obviamente vou continuar tendo atividade política. Mas nada de cargo nem como dirigente do PT.

FOLHA - O sr. sempre tomou cachaça, chope. Por que no episódio Larry Rohter o sr. reagiu tão duramente?
LULA
- Incomoda a mentira, a desfaçatez. Duvido que tenha um jornalista no Brasil que tenha me visto bêbado. Duvido que tenha um companheiro do PT que tenha me visto bêbado.
Duvido que tenha um militante do movimento sindical que tenha me visto bêbado. Digo para todo mundo ouvir. A última vez em que bebi mesmo foi quando o Brasil perdeu para a Holanda de 2 a 0 na Copa do Mundo de 1974. Foi a primeira vez em que vi TV a cores. A gente tinha fechado o sindicato para comemorar a vitória do Brasil. O Brasil perdeu, e a gente bebeu de tristeza. Tinha casado com a Marisa fazia um mês e cheguei em casa travado. Depois disso, não mais. Fiquei puto porque, como pode um cidadão que nunca conversou comigo, que nunca tomou um copo de cerveja comigo, que nunca tomou um copo d'água comigo, fazer uma matéria de que eu bebia. Isso me deixou muito puto.
Tem um companheiro no bar e está vendo eu tomar dois uísques, escreva que tomei dois uísques. Se as pessoas me perguntarem se bebo, falo. Bebo, gosto de tomar um uisquizinho.
Não gosto de cerveja. Não gosto muito de vinho. Eu estou falando sobre 32 anos. Duvido que alguém tenha me visto bêbado desde 1974. O episódio me deixou chateado. Uma matéria gratuita e que fazia parte da tentativa de pessoas que queriam construir uma imagem negativa do Lula. Aliás, passaram grande parte do primeiro mandato tentando fazer isso.

FOLHA - Após o Dualib dizer que o Corinthians ganhou com gol roubado, acha que o título de 2005 deveria ser dado ao Internacional?
LULA
- Aquele título a gente quase não comemora. Foi num ranha-ranha, quase perdeu todos os jogos para chegar ao título. Se você vai anular um título cada vez que rouba, tem de tirar da Argentina a Copa de 86... Bem, vou criar um problema internacional.

Política

Em conversa de uma hora e meia na manhã de quarta-feira no Palácio do Planalto, Lula rejeitou tentar a re-reeleição em 2010. "Não existe hipótese para o bem do Brasil, para o bem da democracia e para o meu bem".
Bem-humorado, Lula (que completará 62 anos no dia 27) contou que aceitara convite da Aeronáutica para voar num caça a 45 mil pés (13,7 km) de altitude: "Vai dar para ver a curvatura do globo terrestre". Pediu café e fez introdução de cinco minutos sobre as realizações do governo: "Hoje, sou um homem convencido de que o Brasil se encontrou enquanto nação".

FOLHA - No primeiro mandato, FHC disse: "Governar é fácil". Ulysses Guimarães falou que o poder era "afrodisíaco". O que pensa?
LULA
- Governar não é fácil. Tomar decisões nem sempre é fácil. Muitas vezes há choque do interesse do Estado com interesse de uma parte da sociedade, divergências entre dois ministros, pressão de interesses econômicos. Muito difícil governar. Para governar bem, é preciso determinação de fazer as coisas acontecerem.

FOLHA - O poder é afrodisíaco?
LULA
- Não pelo lado sexual, mas pela adrenalina que toma conta de você. Você não vai mais a um restaurante, a uma festa: você vive por conta disso [poder] e isso te motiva. Às vezes, ligo para os ministros de noite cobrando coisa. Isso toma conta da gente, dá energia. Tinha muitas dúvidas sobre o segundo mandato: sempre achei que no segundo mandato você começaria a entrar na mesmice e iria cansando. Encontrei com o Fernando Henrique no velório do Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, morto em abril] e eu estava comentando com ele o segundo mandato. E ele dizia: "Você vai ver depois do segundo ano, quando as pessoas já estão pensando no sucessor". Adquiri consciência de que quero chegar ao final do mandato com os políticos querendo que eu suba em palanque. Não tem nada pior do que chegar ao final sendo recusado pelos seus aliados. Imagina um presidente que não pode ir a um comício porque ninguém quer que ele vá lá.

FOLHA - Se o sr. chegar ao final do mandato com imagem forte não despertará uma onda queremista, o Lula 2010? Muita gente acha que o sr. vai tentar a re-reeleição.
LULA
- Porque no Brasil tem muita gente que não quer levar a política a sério. A alternância do poder é educadora para a construção da democracia. Não existe ninguém insubstituível.

FOLHA - Está vacinado contra a tentação?
LULA
- Não existe hipótese para o bem do Brasil, para o bem da democracia e para o meu bem.

FOLHA - Descarta ser candidato a presidente em 2014 ou 2015 [quando terá quase 70 anos]?
LULA
- Não. Em política, seria infantil da minha parte dizer que vou decidir o meu destino em 2014, 2015. Tenho uma filosofia que aprendi com a minha mãe: "Rei posto, rei morto".
Lembro que Juscelino Kubitschek imaginava voltar depois e não voltou. Não posso trabalhar em momento nenhum com essa hipótese na minha cabeça porque será o meu fracasso. Essa coisa, se tiver de acontecer, a conjuntura do momento vai indicar. Até porque quero dar um exemplo de ex-presidente: quero deixar a Presidência e não vou virar palpiteiro.

FOLHA - Apóia a emenda que acaba com a reeleição?
LULA
- Um mandato de quatro anos é muito pouco. O presidente toma posse em 1º de janeiro. No primeiro ano não faz nada porque o Orçamento já está comprometido. No segundo, quando começa a fazer, tem eleições municipais: seis meses antes da eleição não pode fazer convênio com nenhuma prefeitura. Então, já tem um ano e meio morto. Depois tem outro ano para governar e, no ano seguinte, tem eleição. Um mandato de quatro anos no Brasil é quase inadministrável. Vamos acabar com a reeleição e aumentar o mandato.

FOLHA - Apóia a emenda?
LULA
- Apóio, apóio. Se não aumentar o mandato, é melhor ficar a reeleição. Sei que para a oposição é ruim, porque ela sempre acha um mandato mais longo difícil, uma reeleição difícil, mas é importante que um presidente tenha a possibilidade de concluir um projeto.

FOLHA - Por que o sr. fala em candidatura única em 2010? Não seria melhor lançar vários candidatos e apoiar o que chegasse ao 2º turno?
LULA
- Tenho uma base de apoio com vários partidos. Todo o meu esforço será para uma candidatura única. É um sonho. Vai se concretizar? Não sei. Se tiver quatro candidatos no campo do governo, o governo vai ficar imobilizado. Daqui a pouco vai estar o PT brigando com o PMDB, que briga com o PSB, que briga com o PC do B, que briga com o PR, que briga com o PDT. Ficamos brigando entre nós e deixamos nossos adversários tranqüilos. Precisamos fazer a briga interna e construir a possibilidade de candidatura única. Há o cargo de presidente, de vice, dois senadores, governadores. Tem cargo para todo mundo.

FOLHA - O PT não aceita deixar de lançar candidato a presidente.
LULA
- É normal todo mundo achar que tem de ter candidato. Mas, entre achar e fazer, tem uma diferença muito grande.

FOLHA - Vai tirar licença para fazer campanha se tiver um candidato só?
LULA
- Se estiver ótimo, vou ajudar os candidatos exercendo o mandato de presidente. Não tem nada melhor para ajudar os meus aliados de que o governo estar bem. Se o governo estiver bem, posso continuar fazendo as viagens internacionais e deixando a eleição correr. Se o governo estiver mal, muitas vezes pode acontecer de o governo estar mal e o presidente estar melhor do que o conjunto do governo. Aí tomo a decisão.

FOLHA - Se Aécio entrasse no PMDB, o sr. o apoiaria a presidente?
LULA
- Se entrasse no PMDB e fosse candidato da base, não teria problema nenhum. Mas precisaria saber se a base quer.

FOLHA - O governo do sr. repete e até acentua a cultura política da fisiologia, distribuindo cargos no governo e emendas a parlamentares como forma de mantê-los fiéis. O sr. desistiu de romper com a fisiologia?
LULA
- Uma coisa é a política real. Outra coisa é a interpretação que vocês [imprensa] dão à política real. Quero explicar isso. Nós estamos num governo de coalizão. Isso não vale para o Brasil. Vale para o mundo. Se você olhar a Angela Merkel [chanceler alemã], ela ganha as eleições e faz composição.

FOLHA - É correto condicionar o voto ao governo a verba ou cargo?
LULA
- Não é correto. Aqui não se trabalha assim. Quando propus aos partidos uma coalizão, é justo montar o governo com os partidos da coalizão. Não é correto montar com o PT e ficar pedindo o voto dos outros.

Mensalão

Lula sustenta que "até agora não tem prova de um centavo de dinheiro público" no valerioduto


À Folha o presidente Lula disse que "até agora não tem nada provado" sobre a existência do mensalão e que não acha que "Zé Dirceu seja um traidor.
Foi um quadro político importante para o governo". Lula diz que não faz sentido achar que um deputado como o Professor Luizinho (PT-SP) recebia dinheiro para apoiar o governo, já que essa era sua obrigação. (KENNEDY ALENCAR)

FOLHA - O que o sr. aprendeu sobre a burguesia brasileira nesses anos de poder que o sr. não sabia?
LULA
- Aprendi uma lição importante. Quando é dirigente sindical ou partidário, você tem um lado definido e só faz discurso para aquele lado. Quando chega à Presidência, embora continue tendo um lado, porque sei de onde vim e para onde vou voltar, é preciso ter a competência de governar para todo mundo, sem discriminação.

FOLHA - A burguesia surpreendeu positiva ou negativamente?
LULA
- Continua sendo a burguesia que sempre foi -a burguesia que está sempre querendo mais. Uma burguesia competente do ponto de vista político. A burguesia, muitas vezes, tem mais competência para fazer barulho do que a esquerda fez historicamente. Estou satisfeito porque a minha relação com o empresariado brasileiro é boa. Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca.

FOLHA - Isso incomoda?
LULA
- Não. Com eles ganhando mais dinheiro, vai ter mais investimento, mais geração de emprego, mais salário. Quando estão mal, o resultado é mais desemprego, mais miséria.

FOLHA - Quais são as diferenças entre o presidente de 2003 e o presidente de 2007? Mais solitário?
LULA
- Não existe possibilidade de um presidente estar sozinho. Sou um homem hoje muito mais maduro, muito mais consciente, muito mais determinado e compreendedor das coisas que temos de fazer.
Nós queríamos lançar o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] em outubro do ano passado, mas tomei a decisão de não lançar porque não queria confundir o PAC com a questão eleitoral. Tinha consciência de que ganharia as eleições sem o PAC.

FOLHA - Voltando às diferenças, não há mais um czar na política, que era o José Dirceu, e um czar na economia, que era o Antonio Palocci.
LULA
- Vocês [imprensa] gostam de criar essas coisas.

FOLHA - Não era real?
LULA
- Lógico que não era real. Fico vendo as pessoas dizerem: "Tal é ministro forte". Ministro forte cai. Quem é forte no regime presidencialista é o presidente. Não existe ministro forte.

FOLHA - Em 2005, o sr. fez um discurso na TV dizendo que se sentia "indignado" e "traído" no caso do mensalão, mas nunca mencionou os nomes dos traidores. Recentemente, o sr. disse ao "New York Times" que não via "qualquer evidência" de que Dirceu tivesse praticado crimes. O sr. exclui Dirceu dos traidores?
LULA
- Nem eu vi nem a Justiça viu ainda.

FOLHA - O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, viu. O Supremo Tribunal Federal abriu uma ação penal por corrupção ativa e formação de quadrilha.
LULA
- É um processo que começou com uma acusação. Houve um julgamento na Câmara, a acusação do Ministério Público e a aceitação do Supremo para fazer processo investigatório. Nem todo mundo que é indiciado é culpado. Nem todo mundo que não é indiciado é inocente.

FOLHA - Dirceu é um traidor?
LULA
- Não acho que o Zé Dirceu seja um traidor. Foi um quadro político importante para o governo, contribuiu de forma extraordinária. Na hora em que cometeu erros políticos, deixou o governo e foi para a Câmara.

FOLHA - O procurador-geral e o STF agiram sob pressão política ao analisar o mensalão?
LULA
- Não acho que houve pressão. Não acho que uma instituição possa trabalhar sob pressão política. Se essa pressão política é exagerada, ela pode influenciar pessoas, porque os caras são seres humanos. Um ministro do Supremo e um procurador-geral da República não podem ceder à pressão.

FOLHA - Roberto Jefferson disse que, quando o informou do mensalão, o sr. encheu os olhos d'água e se curvou, como se levasse um golpe. Foi assim?
LULA
- Não comento Roberto Jefferson.

FOLHA - Por quê?
LULA
- Não merece, não merece [balança negativamente a cabeça]. Não merece que eu faça comentário.

FOLHA - Por quê? Não é um direito da imprensa fazer essa pergunta?
LULA
- É um direito, mas também é um direito meu dizer que não quero comentar.

FOLHA - Foi um caso rumoroso.
LULA
- Porque não acredito.

FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA
- É preciso provar. É preciso provar.

FOLHA - O sr. não acredita que houve mensalão?
LULA
- Não é que não acredito. Tem uma denúncia que está num processo de apuração. É um processo que quero que seja julgado. Se alguém praticou mensalão, se alguém deu, alguém recebeu, vão ser condenados. Os que não praticaram vão ser inocentados.

FOLHA - Mensalão no sentido de uso do dinheiro público para comprar apoio político no Congresso.
LULA
- Até agora não tem prova de um centavo de dinheiro público.

FOLHA - Visanet...
LULA
- Até agora não tem nada provado.

FOLHA - Recursos da cota do Banco do Brasil na Visanet foram parar na conta de uma empresa de Marcos Valério de Souza.
LULA
- Vamos aguardar o julgamento. O presidente não faz o papel do Judiciário nem da Polícia Federal. A única coisa que posso dizer: é no mínimo acreditar em Papai Noel falar que o Professor Luizinho, líder do governo na Câmara, que foi acusado de ter pego R$ 20 mil, participava de mensalão.

FOLHA - Poderia ter pego os R$ 20 mil para dívida de campanha, um compromisso. É acreditar em Papai Noel porque ele é petista e votaria com o governo?
LULA
- Porque ele tinha a obrigação de votar com o governo.

FOLHA - Pode ter sido um financiamento ilegal.
LULA
- Se houve financiamento ilegal é outra história. É um crime eleitoral, que a pessoa tem de pagar por ele.

FOLHA - Quando o sr. chama o ex-tesoureiro do PT de "nosso Delúbio" e os "aloprados" de "meninos", isso soa condescendente com os crimes que foram cometidos. Essa cordialidade excessiva não é imprópria para um presidente e não estimula novos episódios semelhantes ao dossiegate e ao mensalão?
LULA
- É engraçado que o dossiegate acabou. A Justiça fez um julgamento e matou o assunto.

FOLHA - Até hoje não se conhece a origem do dinheiro.
LULA
- Até hoje não se conhece a origem da divulgação das fotos [do dinheiro usado por petistas para comprar um dossiê contra tucanos e que foi publicada pela imprensa e usada pela campanha do então adversário, o tucano Geraldo Alckmin].

FOLHA - Sabe-se que foi um delegado federal que passou as fotos para a imprensa.
LULA
- Esse país é regido por instituições democráticas. Se se parte do pressuposto de que um cidadão qualquer pode fazer as afirmações que entende sobre alguém, e por mais que esse acusado prove que não tenha cometido crime, as pessoas não acreditam, vamos colocando a democracia em questão.

FOLHA - Preocupa o sr. a inversão do ônus da prova?
LULA
- É lógico. Vou te contar um episódio que não precisa publicar. Lembro-me quando a Folha publicou uma matéria que eu tinha vendido um carro superfaturado. Liguei para o velho Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha morto neste ano] e disse que era uma mentira. A matéria saiu. No domingo, leio o jornal e tem no caderno de carro um igual ao meu com o mesmo valor de mercado. Abri um processo. Ganhei. Foi pouco. Demorou uns dez anos para ganhar. O que acho é que quem acusa precisa provar. Senão fica muito difícil.

FOLHA - O sr. se queixou em reunião ministerial de a imprensa ter divulgado que a Telemar investiu R$ 10 milhões numa pequena empresa da qual o seu filho Fábio é sócio. Considerou intromissão indevida na esfera privada. Quando uma concessionária de um serviço público faz um negócio desse tipo, o presidente não deveria se explicar?
LULA
- A acusação era de que era uma concessão pública. Na verdade, é uma empresa privada que pode tomar dinheiro emprestado em qualquer banco, como tomou do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. O fundo de pensão que tem parte da empresa não participa da administração.

FOLHA - Não acha que a empresa fez isso interessada em melhorar sua relação com o governo e obter favorecimentos?
LULA
- Não.

FOLHA - Não crê que seja um direito da opinião pública saber se o seu filho foi favorecido num negócio com uma concessionária de serviço público? Isso o incomodou na época?
LULA
- Não me incomodou e não incomodou o meu filho. Tenho consciência das coisas que foram feitas e da disputa que foi feita. Ganhou a Telemar, mas quem queria pagar era a Brasil Telecom. Foi um negócio legítimo e normal. Os detratores do meu filho poderiam fazer a investigação e fazer a denúncia. Se ele cometeu algum erro, será julgado tanto quanto qualquer um dos 190 milhões de brasileiros que venha a cometer um erro.


Economia e Privatizões

"Como vai ficar agora a Fernão Dias a R$ 0,90 e a Dutra a R$ 7?"

FOLHA - O sr. concorda com a revisão dos critérios de concessão de TV no Brasil? Encampará idéias do PT? Fará um marco regulatório?
LULA
- Nesse negócio das concessões de TV, o governo tem de renovar as concessões a cada 15 anos. Quem encaminha as concessões ao Congresso é o Ministério das Comunicações.
Há uma revolução tecnológica na área que é preciso um robô para acompanhar os avanços cotidianos. Tenho ponderado ao ministro das Comunicações que é preciso que a gente comece a analisar se todas as concessões estão cumprindo aquilo que se comprometeram a cumprir. Se tiver cumprindo, ótimo, vai para o Congresso. Se não tiver, temos de chamar aqui para cumprir. Não tem trauma.

FOLHA - A reportagem da Folha visitou uma família que, segundo pesquisa da FGV integrava o contingente de 6 milhões de pessoas que deixaram a miséria. Constatou que a família comia carne uma vez por semana, que algumas refeições não eram feitas, que as crianças andavam descalças e viviam na miséria. Não é pouco diante das expectativas que suas duas eleições geraram? Não é pequena a alardeada melhoria social que seu governo fez?
LULA
- Não. É muito. Temos 190 milhões de habitantes. Você vai a uma família e quer fazer um julgamento dos problemas sociais? Em qualquer metodologia do Datafolha, há um percentual de tolerância de as coisas [acertos] acontecerem ou não. Nós fizemos muito neste país, e certamente falta muito para fazer. Me considero um presidente satisfeito pelo que fiz, mas insatisfeito porque ainda é preciso fazer muito mais.

FOLHA - Qual será o legado de sua Presidência?
LULA
- Um país com menos gente pobre, os pobres comendo melhor, maior crescimento industrial, mais educação. É importante que a sociedade brasileira atente com muito carinho para o que está acontecendo no Brasil. O Brasil está determinado a ocupar um lugar que é seu na história. Nós tivemos chances enormes no século 20 e não conseguimos aproveitá-las. Não se trata de procurar culpados. O fato é que todos nós somos vítimas de o Brasil não ter aproveitado a chance quando foi o país que mais cresceu durante tantas décadas, quando foi o país do "milagre", quando foi o país da época do JK e da época do Getúlio Vargas. Nós criamos chances extraordinárias de dar um salto de qualidade e paramos, como no caso do Plano Real.

FOLHA - Esses processos não se interromperam por que a conta do salto tinha de ser paga depois? O desenvolvimentismo do Juscelino nos deixou como custo a inflação; o "milagre", a dívida externa. O Plano Real não exigiu um câmbio valorizado que depois cobrou a conta?
LULA
- As pessoas pensam muito no curto prazo. Desde 2003, quando decidimos fazer o esforço gigantesco que nós fizemos, eu fiz uma opção muito clara. Eu tinha muito capital político e, portanto, eu poderia gastar uma parte do capital político para poder fazer o ajuste fiscal que nós fizemos. Todo mundo que entende de economia sabe que no começo me trataram como louco por ter feito aquele ajuste fiscal. Foi necessário para dar a base para a gente mostrar seriedade interna e externa. Sempre defendi a idéia de que o Brasil não precisa, de forma alucinada, ficar procurando um crescimento econômico de 8%, de 9%, de 10% ao ano. O Brasil precisa é ter um ciclo grande de crescimento, que seja de 5% de crescimento, que seja 7%, que seja 4,5%, mas que seja uma coisa duradoura para que todos os segmentos da sociedade possam se programar.

FOLHA - No primeiro mandato, o sr. tomou uma decisão dura, o ajuste fiscal, que foi a base do bom momento econômico de hoje. No segundo mandato, há um aumento do gasto público. Não está deixando uma bomba-relógio ao sucessor?
LULA
- Não. Quero contribuir com o Brasil desmistificando essa coisa do gasto público e do investimento público. A máquina pública precisa funcionar: se não funcionar, as coisas não andam. E aí sim haverá um gasto público de não fazer as coisas que tem de fazer no tempo que tem de fazer. Quanto custou para o Brasil não fazer a reforma agrária no período em que todos os países fizeram? Quanto custou não alfabetizar o povo na década de 50? O custo foi infinitamente mais caro do que se as coisas tivessem sido feitas no tempo certo.

FOLHA - O BC deu sinais de que vai interromper o processo de queda dos juros. Acha que é hora de parar de diminuir a Selic?
LULA
- Não, não acho.

FOLHA - E se parar?
LULA
- Se parar, vai explicar a razão pela qual parou. Minha orientação para os companheiros Henrique Meirelles [presidente do BC] e Guido Mantega [ministro da Fazenda] é não ficar brincando com a inflação. Quero manter a inflação na meta [4,5% ao ano]. Se ela atingir 7%, 8%, a gente não controla mais. Ela não pode subir e vamos fazer qualquer sacrifício para que não suba.

FOLHA - Na campanha, o sr. criticou a privatização. Na terça, privatizou estradas. É uma contradição?
LULA
- Há diferença no que fizemos agora do que foi anteriormente. Nunca falei privatização de estrada. Não sou tão culto, mas aprendi a diferença entre privatização e concessão. Espero que esse leilão [para concessão de estradas] sirva de lição ao Brasil. Abrimos mão da outorga porque o objetivo da concessão era que a iniciativa privada administrasse aquela estrada, pudesse fazer os investimentos necessários, e o usuário pudesse ganhar o máximo possível. Não era para o Estado ganhar dinheiro. A participação dos espanhóis [levaram 6 das 7 concessões] é o resultado da imagem que eles têm do Brasil. A minha tese é que o Brasil se encontrou consigo mesmo. Tem algumas pessoas que ainda não querem crer, mas essa é a verdade.

FOLHA - As concessões anteriores não foram bem-feitas?
LULA
- Não vou fazer julgamento. O dado concreto é que os pedágios são muito caros. A lógica diz que, quanto mais tráfego tiver, mais barato deve ser o pedágio. Como vai ficar agora a Fernão Dias a R$ 0,90 e a Dutra a R$ 7? Só espero que o povo sinta a diferença.

2 comentários:

cereal disse...

Que valor tem uma entrevista com o maior mentiroso do Brasil?
Esquece tudo que o bêbado disse.

Henriquec disse...

Agradeço a oportunidade de ler uma entrevista com o melhor Presidente dos últimos 40 anos.