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domingo, 27 de maio de 2007

COOPTAR

CHICO ALENCAR

Cooptar é verbo transitivo direto.
Mestre Aurélio explica o significado: “admitir numa sociedade com dispensa das formalidades de praxe”. No Brasil de hoje, dispensa-se muito mais do que formalidades.
Uma anestesia geral engaveta a consciência crítica e as convicções transitam diretamente para o esquecimento.
Há aceleração do crescimento da mediocridade, dos ganhos financeiros — legais ou não — e da violência.

Assim, arquivados os sonhos e um projeto de nação, a lógica limitadora do “menos ruim” avassala corações e mentes. A naturalização dos escândalos e a degeneração política, com a alta do clientelismo rasteiro e do desinteresse, ameaçam a emergência da massa à condição de povo emancipado da demagogia e do paternalismo.

Assim, o crítico feroz de ontem, que considerava o presidente da República “avesso ao trabalho e ao estudo, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade e inapto para o cargo”, torna-se o palaciano de hoje, pensador do futuro com amnésia do passado. Adesão tão sinistra quanto a de partidos que, na última campanha eleitoral, demarcavam contra aquele que “traíra compromissos trabalhistas históricos”. Para calar a voz dissonante, não há mistério: ofereçase um ministério. E aos adesistas de sempre, para os quais ser da situação é condição fisiológica de reprodução de mandatos, abram-se cargos a mancheias, sem qualquer preocupação com o saber técnico dos ocupantes.

Assim, a oposição conservadora, perplexa ao ver o adversário novamente vitorioso empunhar bandeiras que foram suas, como a do modelo econômico permanente e a “governabilidade a qualquer preço”, confundese com o mapa de navegação, muda de nome, mas não de projeto. Que é o de não ter projeto de governo exceto o de monitorar, suavemente, o funcionamento do mercado, deus-regulador de vida, corretor natural de todas as injustiças, desde Adam Smith.

Assim, no Parlamento sufocado pelas medidas provisórias, o provisório torna-se permanente. E o legislador, impotente e sôfrego, vai embutindo no guarda-chuva desses “decretos-leis” do Executivo tudo aquilo que as corporações que o elegeram exigem, misturando alhos com bugalhos, inoculando minimização de anúncio do aleitamento materno em programa de arrendamento residencial, juntando redução de imposto para a construção de iates com isenção para compra de remédios.

Assim, nesse mesmo Legislativo que legisla por exceção, e deixa a reforma política esquecida em algum desvão, reitera-se o mandamento da autoproteção: o voto anistiou a todos, o silêncio é a melhor resposta a qualquer denúncia. Os tribunos não vão à tribuna, calar é se proteger e orientar o eleitorado a esquecer.

Assim, a reprimarização da economia vira janela de oportunidade singular para o desenvolvimento (in)sustentável: o modernizante império das plantations do imenso canavial, abençoado pelas virtudes renováveis do agrocombustível, coloca véus na exploração do trabalho e na desertificação dos campos.

O ciclo promissor do etanol pode se tornar nossa contribuição nefasta ao aquecimento global.

Assim, as causas da pobreza e da profunda desigualdade numa economia relativamente rica — 78% da população mundial vivem em países com renda per capita menor do que a nossa — não são enfrentadas estruturalmente.

Ao invés do investimento público, reforçado pela redução da drenagem para pagamento de juros e serviços da dívida, prossegue o déficit primário da educação, da qualificação profissional e do emprego formal. Na emergência da miséria gritante, a bolsa circunstancial, que, em meio a garantias da sobrevivência básica, nutre o caminho eleitoral.

Assim, judicializa-se a questão criminal e o crime vai capturando também esferas do Judiciário.

Sem integração e reestruturação de polícias e presídios, o engodo de mais prisão e “retirada de circulação” encobre a galopante e letal circulação de armas e cumplicidades. A venda de sentenças reforça a exaltação, para a juventude, da trajetória esperta e magistral onde tudo se compra para subir no tribunal do poder, do prestígio e do efêmero que pereniza.

Assim, a convocação operária, liderada pelo gigantesco aparato das grandes centrais sindicais, oferece casas no lugar de causas e imóveis sorteados para domesticar a mobilização. Pão individual, algum circo e preito ao capital substituindo consciência e organização dos que vivem do trabalho.

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